Depois de uma semana de chuvas torrenciais os habitantes de Praga descontraiam sob o sol quente de Verão. Naquele Domingo, 10 de Agosto de 2002, ninguém sonhava com a catástofore que se abateria sobre a cidade dentro de três dias.
No dia seguinte começaram a circular os primeiros rumores, que indicavam a eminência de uma cheia de dimensões épicas. A televisão estatal começou a emitir avisos direcionados às áreas tradicionalmente vulneráveis a este tipo de catástofores. Na manhã do dia 12, a TV mostrava imagens das medidas que se tomavam para fortalecer as defesas da cidade contra o ataque da água. A norte de Praga, algumas localidades tornavam-se já pequenas ilhas, à medida que os solos das planícies envolventes se saturavam de água.
Foi no dia 13 que o Vltava transbordou. Os primeiros barros afectados foram Karlin e Liben, onde a água arrastou descontraidamente todas as barreiras de sacos de areia construidas na véspera. À medida que o elemento invasor se aproximava de Florenc, equipas da polícia varriam os edíficios da zona, forçando os habitantes mais renitentes a deixar os seus lares enquanto era ainda possível alcançar locais seguros sem a utilização de embarcações. Nos hospitais de Klimentska e Dvorakovo Nabrezi um exército de ambulâncias procedia à evacuação dos doentes. Por esta altura o tráfico automóvel entre as duas margens do Vltava era apenas possível através da ponte de Barrandov. Todas as outras travessias do rio eram permitidas apenas aos peões.
O exército foi chamado para destruir e afundar todos os barcos que se iam desprendendo dos seus pontos de amarragem e por ali andavam à deriva, ameaçando a segurança das pontes, e um mirone morreu por acidente, atingido por estilhaços de uma destas explosões.
Por todo o lado a actividade era frenética: dezenas de locais exigiam a atenção das autoridades – edíficios oficiais, museus, bibliotecas, arquivos… repletos de materiais cujo salvamento era prioritário. Ao serão, o presidente da Câmara Municipal, Igor Nemec, tomou a dramática decisão de ordenar a evacuação compulsiva dos 50.000 habitantes da Cidade Velha. Uma mala por indíviduo, era tudo o que estas pessoas estavam autorizadas a salvar da sua vida de tantos anos. No aeroporto, o caudal de turistas era confrontado com o caos. Muitos, passaram as suas férias em camas de campanha, num dormitório de uma qualquer escola de Praga.
No dia 14 de Agosto a cidade parecia petrificada. O sistema de protecção do Metro falhou, por razões que levaram anos a ser debatidas, sem resultados conclusivos, e nada mais nada menos que vinte e nove estações foram submergidas. Um sistema desenhado para providenciar abrigo à população em caso de conflicto nuclear, rendia-se às aguas do Vltava. A ilha de Kampa encontrava-se 5 a 8 metros debaixo de água. Todas as pontes se encontravam agora encerradas. No magnífico Zoo de Praga a destruição era desoladora. A sua parte mais baixa encontrava-se totalmente debaixo de água, e as imagens dos tratadores forçados a abater animais em pânico correram mundo.
Foi preciso esperar mais um dia para que o elemento invasor começasse a retroceder, deixando bem claro a destruição provocada. Edíficios ruiram. Os pavimentos foram destruidos. A rede de metro, totalmente paralisada, colocava uma pressão inimaginável sobre o sistema de autocarros e eléctricos. Nas dezenas de milhares de lares evacuados, uma quantidade imensa de alimentos encontravam-se agora em processo de putrefacção. O sistema de esgotos, estava naturalmente paralisado, assim como o abastecimento de electricidade e água potável.
Em dois dias, as águas do Vltava tinham causado incontáveis prejuizos e até perdas de vidas humanas em extensas áreas da cidade de Praga. Um pouco por todo o país viveram-se horas dramáticas, com algumas localidades a serem invadidas por violentas enxurradas que tudo arrastaram à sua passagem. A estimativa oficial dos prejuizos rondou os 2,5 biliões de dólares. Mas, apesar da extensão dos danos, os checos lançaram mãos ao trabalho e num espaço de tempo admiravelmente curto as feridas deixadas pelas águas encontravam-se cicatrizadas. Nalguns casos, a reconstrução permitiu melhorar o que antes existia. Na Cidade Velha muitos edíficios foram restaurados na sequência das cheias. Os sistemas de defesa da cidade foram melhorados, tornando-se uma mão invísivel que actualmente zela pela segurança dos habitantes de Praga e dos seus bens.
[box type=”shadow” align=”aligncenter” ]Curiosidade
A primeira cheia documentada em terras da Boémia sucedeu em 1784, e desde então ocorreram seis catástofores deste tipo: 1784, 1827, 1845, 1890, 1997 e 2002. Contudo, as cheias de 1997 não chegaram a afectar Praga, apesar da devastação noutras partes do país. Um periódo de segurança de mais de 100 anos terá amolecido a população, que encarou os avisos preliminares com displicência, apesar das imagens de destruição em terras da Morávia apenas cinco anos antes. [/box]