Em 1989 soprou um vento de mudança na Europa de Leste, e, de repente, todos os regimes comunistas sob o controlo da União Soviética implodiram, abrindo a estas nações as portas da democracia de que hoje usufruem.
Na Checoslováquia – por essa altura a Rep. Checa e a Eslováquia constituiam um só pais – a situação precipitou-se depois do dia 17 de Novembro, quando uma marcha de estudantes, devidamente autorizada, partiu da zona universitária de Albertov em direcção a Vysehrad. Nessa data comemora-se o dia do Estudante, em honra de Jan Opletal, um jovem estudante de medicina morto pelas tropas de ocupação alemãs em 1939.
Contudo, uma grande parte dos membros da União Socialista da Juventude, uma organização de juventude agregada ao Partido Comunista, já há algum tempo que se movimentavam nos círculos secretos da oposição. E de repente ali estavam, estudantes de todas as Faculdades, alguns mesmo do Ensino Secundário, juntos, no mesmo espaço. Abrem-se os corações, expressam-se ideias e opiniões desde sempre amordaçadas.
A Marcha
As horas indicadas são as do evento real, em 17 de Novembro de 1989
O que vos sugiro é que refaçam os passos que foram dados neste emotivo dia. Se o fizerem, verão uma outra Praga, com um pulsar normal, ver-se-ão rodeados de estudantes que se dirigem para as aulas, que têm sonhos, que dispôem de oportunidades de vida. Mas é importante lembrar que nem sempre foi assim e que se hoje este passeio poderá ser feito na maior das descontrações é porque naquele 17 de Novembro uns milhares de jovens corajosos ousaram desafiar o poder da ditadura checoslovaca.
Em 2009 participei na marcha comemorativa, sobre a qual escrevi um artigo para o blog Cruzamundos. Nesse dia memórias antigas foram desenterradas e vi gente a chorar de emoção. Mas gosto de fazer este passeio em dias comuns e deixar a imaginação fluir, sentir a pressão de uma multidão inexistente, deixar-me embriagar pela tensão, pela adrenalina que invadiu aqueles milhares de corpos em movimento. Passei centenas, se não milhares de vezes por alguns dos locais vitais deste dia. Quase sempre esquecendo-me da importância dos eventos que neles tomaram lugar. É para um passeio com os olhos e a imaginação postos neste passado próxijmo que vos convido. Venham dai, viver a História!
15:40 – Os estudantes começam a reunir-se no coração do bairro universitário de Albertov. Chegam mais e mais jovens. A polícia política, a StB, estima em 15.000 o número de participantes.
16:20 – Alguém grita “Svobodu! Svobodu!” (Liberdade! Liberdade) ao que a multidão responde com um enorme aplauso. Logo de seguida Jiřího Jaskmanického, um membro da União Socialista da Juventude fiel ao Partido discursa, sendo interrompido múltiplas vezes por um coro de vozes discordantes.
16:30 – Jakub Klima, de uma associação de estudantes independente, discursa, e quando termina a multidão grita: “Jakeš, rua!” (Jakeš era o líder do Partido Comunista, logo, do país).
16:37 – Pede-se um minuto de silêncio pelas vítimas da repressão nazi em 1939 e pelas mártires da praça Tianamen. De seguida dão-se vivas a Vaclav Havel e Jan Masaryk.
16:55 – A multidão inicia a marcha em direcção a Vysehrad, um movimento autorizado pelas autoridades. Para seguir o percurso deverá descer a rua Albertov em direção à Na Slupi (em direcção ao rio, portanto) , que a esta hora se encontrava já cheia de gente. Ai chegado, vire à esquerda. Ande 150 m e passe por debaixo da linha férrea, subindo a rua imediatamente à sua frente, a Premyslova. No topo vire à esquerda e caminhe até entrar na fortaleza de Vysehrad. Aí, procure o cemitério, recomendando-se a sua visita. Apesar de ser o local de último repouso para os principais nomes da história checa, não irá encontrar a sepultura de Jan Opletal, cujos restos mortais foram trasladados para a sua aldeia natal, na região de Olomouc.
17:20 – A área de Vysehrad encontra-se repleta, especialmente o cemitério. Acendem-se velas, canta-se o hino nacional. Há alguma indecisão no ar. A partir daqui, o que quer que se faça será tecnicamente ilegal. A não ser que se disperse a multidão e se vá para casa. Mas não é isso que sucede. Como um só corpo a massa de estudantes retoma o movimento, refazendo os seus passos até aqui mas desta vez não virando em Premyslova em direcção à linha de comboio. Acabando de descer a Vratislalova viram ligeiramente à direita, atravessando a rua, passando sob o viaduto ferroviário e marchando pela Vysehradská.
18:25 – A ideia é evidente, já está presente na mente de todos: o objectivo é atingir a imensa praça Venceslau, o coração de Praga moderna e evidente local de reunião de toda a cidade. Mas a polícia antecipa-se a barra o caminho à cabeça da marcha, junto ao Jardim Botânico Universitário. Instala-se o caos. Atrás, não se percebe o que se passa lá à frente. As pessoas empurram, ansiosas por prosseguir. A polícia intervém, espanca alguns participantes e ocorre a primeira detenção.
18:52 – Os manifestantes seguem uma rota alternativa, virando à esquerda, na rua Plavecka, aproximando-se agora do rio.
19:10 – A massa humana caminha agora junto ao rio, na Rassinovo nabrezi, engrossada por muitos habitantes que, vendo o que se passa, descem à rua para se juntar aos estudantes. Entretanto as autoridades ultimam o plano para pôr cobro à insubordinação. As melhores unidades da polícia de intervenção tomam posição na Narodni trida (Avenida Nacional).
19:21 – A manifestação chega ao Narodni Divadlo, gritando palavras de ordem como “Liberdade para os artistas”.
19:30 – Não há como prosseguir. A polícia de choque está posicionada no topo da Narodni Trida. Os manifestantes da frente sentam-se no asfalto, acendem mais velas, lançam flores aos escudos dos agentes.
19:38 – As autoridades avisam as pessoas que deverão dispersar. Mas mesmo que estas quisessem seria impossível. Há 15 mil manifestantes em seu redor. Estão presas. Logo de seguida um corpo de polícia, emergindo da rua Karoliny Svetly, cria um segundo cordão, cortando o corpo da manifestação em duas partes, isolando a cabeça.
19:53 – Polícias à paisana vindos do edíficio Albatros infiltram-se na manifestação.
20:24 – Intensifica-se a violência. Há confrontos entre as forças policiais e os manifestantes. Muitas pessoas são puxadas para fora da multidão e alinhadas antes de serem metidas dentro de autocarros que as aguardam. Os manifestantes gritam: “Deixem-nos ir embora! Deixem-nos ir embora”. Há cargas sobre os flancos da manifestação, a pressão é mais intensa e existe o risco de esmagamento dos que se encontram no interior da multidão.
20:45 – O cordão policial da frente começa a avançar esmagando as velas e as flores. Da rua Mikulanska saem dois veículos blindados.
21:10 – A multidão está agora a dispersar-se. Há ainda pequenos grupos que tentam prosseguir, mas sem sucesso.
22:45 – A calma instala-se, apesar de existirem ainda umas trezentas pessoas na Narodni Trida.
Nota: quem sobe a Narodni Trida, vindo do rio, passará sob umas arcadas, do lado direito da avenida. Ai encontra-se um muito discreto mas igualmente interessante monumento aos eventos deste 17 de Novembro de 1989 (foto acima).
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