Este foi um livro comprado na Shakespeare de Kampa, uma loja de livros em língua inglesa localizada nas imediações da ponte Karlovo. O resumo era apelativo: Rachel Weiss, a autora, australiana de nascença, regressa a Praga para reencontrar as suas origens, a cidade de onde os seus pais partiram há algumas décadas atrás. O livro conta a sua história, as suas expectactivas e desilusões, aventuras e desventuras. Para um estrangeiro a residir em Praga seria um livro incontornável. Afinal, a projecção pessoal nas linhas de outrém é um dos motores mais poderosos de um leitor. E funcionou. Conversa aqui, conversa acolá, e descobri que uma boa parte dos meus amigos internacionais tinham lido o livro ou planeavam fazê-lo.
De certa forma a premissa verificou-se: foi extasiante ter na mão um livro em cuja narrativa me revia. Afinal também eu tinha chegado a Praga cheio de entusiasmo, pronto para descobrir a cidade e conhecer pessoas. As mesmas emoções, as mesmas experiências. Página após página, o redescobrir da minha própria aventura pelos olhos e pela escrita de outra pessoa. Foi divertido conhecer os familiares locais de Rachel, ser apresentado aos seus novos amigos, seguir as peripécias entre o edíficio dos subúrbios que “herdou” e os locais frequentados pelos residentes estrangeiros.
O problema começou a formar-se quando aquelas linhas me conduziram até uma pessoa que não me agradava. Rachel começou a revelar uma faceta crítica que incomoda. Há pessoas que têm dificuldade em compreender que existe um mundo para além do seu e que apesar de diferente, esse mundo não é obrigatoriamente pior. Este é um estigma que encontro em muitas pessoas, demasiadas, especialmente nas que vêm de culturas anglo-saxónicas. Talvez devessem manter-se onde se sentem confortável. Ou, não o fazendo, poupar o mundo às suas opiniões feitas de preconceito. Este é o grande problema de Me, Myself & Prague (será impressão minha ou o título escolhido tem algo deste egocentrismo primordial?).
Mas não deixa de ser um livro divertido, agradável, de leitura ligeira. Quem pegar nele irá certamente ter uma ideia do que é viver em Praga, do ponto de vista de um estrangeiro. Pode ser inspirador para o candidato a residente. Agora, o subtítulo da obra, An Unreliable Guide to Bohemia, é perfeitamente enganador. Nas suas páginas vamos encontrar a experiência de Rachel e nada mais. Não há uma abordagem esclarecida ou esclarecedora, uma investigação passada ao leitor… não, é tudo sobre o seu “umbigo”.
No fim ficou-me um sabor agridoce. A pessoa Rachel Weiss consegue ser muito irritante. A escritora Rachel Weiss, por outro lado, é eficiente e faz o seu trabalho como deve ser, deixando o leitor agarrado ao livro até ao final. É um confronto, um dilema. Se tiver que ser, encontra-se um balanço no meio: três estrelas em cinco.
O livro pode ser comprado em paperback ou em formato digital (para Kindle) na Amazon inglesa. Aqui mesmo. A autora escreveu uma sequela, publicada no Verão de 2014 exclusivamente em formato digital: The Thing About Prague …: How I gave it all up for a new life in Europe’s most eccentric city.