livros-ForTheLoveofPragueTenho que admitir: quando peguei neste livro e decidi comprá-lo, ia com um pé atrás. O seu aspecto tosco e o subtítulo, algo narcisista (The true love story of the only free American in Prague during 30 years of communism) deixaram-me algumas dúvidas. Mas depois, cheguei a casa, comecei a ler, e fiquei conquistado.

O autor, Gene Deitch, era já um homem ligado ao cinema de animação quanto visitou Praga numa viagem de trabalho. E ligado ao cinema de animação permaneceu durante aquelas décadas que foram das mais negras da história da cidade. Gene estabeleceu-se por lá ainda nos anos em que o Bloco Leste era governado sob as austeras linhas estalinistas, assistiu à Primavera de Praga, viu os soviéticos chegarem, a mordaça apertar, e, por fim, assistiu à Revolução de Veludo e à chegada da democracia.

Ao longo das trezentas e pouco páginas do volume vai o leitor encontrar uma miriade de episódios, pequenas imagens textuais do quotidiano de uma Praga que já não existe, genuina, austera, espartana. Sempre com a sua fiel Zdenka, uma mulher checa também ela ligada ao cinema de animação, Gene enfrenta todas as agruras, despido do conforto material a que se habituara na sua vida nos EUA. Luta contra a solidão, o isolamento social. Lida com o temperamento, por vezes dificil, dos checos. Oferece um retrato único daquela cidade que se encontra presente no imaginário das gerações que viveram a Guerra Fria. Vive durante a maior parte do tempo num apartamento naquele que hoje é um dos pontos mais exclusivos da cidade, mas que então era apenas um velho andar cheio de problemas. Lida com pressões e tentativas de manipulação. Existe desconfiança, de parte a parte, mas como fiel da balança, está lá sempre aquele amor por Zdenka e por Praga, um sentimento que muitos de nós conhecemos intimamente.

A escrita de Gene é acessível, sem pretensões literárias, e as páginas correm com naturalidade, mesmo para quem não tem dificuldades em ler um inglês mais complicado. O estilo do autor é informal. Conta-nos as suas memórias com a naturalidade com que o faria sentado a uma mesa com uma cerveja na mão.

Pessoalmente o livro tocou-me. Bastante. Senti uma comunhão entre o meu imaginário e a vida real que Gene descreve. Aquela era a Praga que eu imaginava. Afinal existia e era assim. Aquela Praga de ontem, cuja comparação com a de hoje se revela um exerício tão interessante.  Era também a Praga que uma vaga de norte-americanos procuravam quando se mudaram em massa para a cidade após 1989. Hoje, os que permaneceram, são os veteranos, com muitas histórias para contar, olhados por admiração pelos novos membros, jovens provenientes de familias mais ou menos abastadas, que continuam a acorrer a Praga em perseguição dos seus sonhos. Mas Gene é de uma outra dimensão. É obra, ser o único cidadão dos EUA a residir num país comunista, e durante trinta anos.

Como os leitores já devem ter percebido é um livro que recomendo convictamente, especialmente aqueles que vivem em Praga ou pensam recomeçar a sua vida nesta magnífica cidade. Infelizmente já não se encontra à venda online. Parece estar esgotado. Talvez seja possível encontrá-lo numa das boas livrarias de livros novos e usados em língua inglesa que existem na cidade.

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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