O Passado de Karlin

De uma certa forma, Karlin é um bairro novo de Praga. Mas apenas de certa forma, porque na realidade, até pela sua proximidade ao centro histórico da cidade, é uma área bem antiga.

A primeira referência histórica data de 993, quando surge no rol de propriedades do mosteiro de Břevnov.

Muita gente se interroga sobre a origem do nome Karlin. Na realidade é uma evolução da designação alemã Karolinenthal, atribuída ao local em 1817 em homenagem a Karolina Augusta, esposa do Imperador Francisco I.

Durante muito tempo, especialmente durante o regime comunista (1948-1989), foi um bairro degradado, habitado por personagens sinistras bastante dadas ao crime, um reduto habitacional para famílias de origem cigana que não eram aceites noutras partes da cidade.

As memórias dos meus amigos checos mais velhos não deixam dúvidas: este era um local onde ninguém queria vir. Alguns tinham familiares em Karlin e as visitas eram um pesadelo. Atravessar o parque Kaizlovy Sady era uma condenação ao assalto certo.

Mas depois vieram as grandes cheias de Agosto de 2002 que quase destruíram Karlin. Mas o bairro sobreviveu, e quando as águas recuaram foi como se tivesse lavado o que ali existia de mau. Claro que não foi algo que sucedeu de um dia para o outro, mas sem dúvida que o processo de cicatrização de Karlin revelou novas páginas na história do bairro: a renovação foi aproveitada por empresas renovadoras, sobretudo ligadas às novas tecnologias, que ali instalaram lojas e escritórios.

O Novo Bairro de Karlin

Com esta presença inesperada começaram a surgir cafés e restaurantes vocacionados para quem ali trabalhava e para os clientes que os visitavam. E passo a passo a renovação de Karlin foi-se consolidando. A habitação começou a ter nova procura, o que conduziu à renovação total de um número crescente de edifícios.

E hoje Karlin é um bairro fino, muito trendy, com toques hipster. Quem diria. Quem o viu em 2002 e mesmo em 2010, quando tive aqui a única situação potencialmente perigosa da minha vida em Praga… e hoje é o máximo, um bairro cheio de vida, habitado por uma classe média abastada, com um café de estilo a cada esquina.

Passeio por Karlin

Existiriam várias formas de iniciar um passeio por Karlin, por exemplo, vindo de Zizkov e atravessando o famoso túnel pedestre. Mas vou começar o trajecto na estação de metro de Florenc (1) , saindo junto ao terminal rodoviário, a principal estação de autocarros de Praga.

O Edíficio do Banco Atlas

Esta parte de Karlin que toca o bairro adjacente, Florenc, está longe de ser charmosa, com o intenso tráfego automóvel, as multidões que se deslocam e a inerente poluição sonora e atmosférica. Mas vamos fazer um esforço e atravessar duas ruas, em direcção ao rio. A Křižíkova e a Sokolovská, duas vias que na realidade formam a coluna vertebral de Karlin, o único bairro de Praga concebido numa traça geométrica, feito de ruas paralelas e perpendiculares.

O edifício que vemos na esquina entre a Ke Stvanici e a Sokolovská é um fenómeno da escola funcionalista, um estilo de fazer arquitectura que nos anos 30 do século passado produzia edifícios que parecem saídos dos nossos dias.

Este foi desenhado entre 1935 e 1936 pelos arquitectos František Josef Stalmach e Jan Hanuš Svoboda e concluído em plena Segunda Guerra Mundial, em 1942. O prédio incluía a área de negócios, mas também uma zona residencial e áreas de usufruto comum, como um bar e um salão de dança e o cinema que ainda hoje se encontra em funcionamento.

O Kino Atlas começou a projectar filmes em 1948 e só parou em 2000. Em Agosto de 2002 mudou de mãos para logo ser praticamente destruído pelas cheias que ocorreram nesse ano. Foi recuperado em 2005.

O Viaduto e a Ponte Negrelli

Vamos continuar a caminhar em direcção ao rio, atravessar uma última movimentada estrada e virar à direita. Não é uma fase agradável deste passeio, mas peço um pouco de paciência. 200 metros depois estaremos junto a uma ponte. Trata-se da segunda ponte mais antiga de Praga, desconhecida de quase todos os visitantes. A viaduto Negrelli conduz à ponte com o mesmo nome.

A obra foi inaugurada em 1850, sendo um dos viadutos mais longos da Europa na época. Negrelli, que foi também o criador do Canal do Suez, era um engenheiro do norte da Itália, que na altura era controlada pelo Império Austro-Húngaro, tal como Praga, acabou por pagar com a vida a sua paixão pelas obras ferroviárias: enquanto inspecionava alguns trabalhos, debrucçou-se de um comboio em andamento e foi decepado por um poste.

Actualmente encontra-se em curso um projecto para requalificar a área do viaduto, com o aproveitamento das arcadas a favor da comunidade de Karlin.

Prossiga, até encontrar uma passagem aérea que o trará para o interior do…

Main Point Karlin

Trata-se de moderno bloco de escritórios amplamente premiado em concursos de arquitectura. É o Main Point Karlin,  desenhado pela empresa DaM e concluído em 2012. É a nova face deste bairro em grande ritmo de renovação. Usando a passagem aérea poderá penetrar no interior deste interessante espaço e sair pelo outro lado, junto ao coração de Karlin.

 A Igreja de São Cirilo e Methodius

Pouco mais à frente chegamos à igreja de São Cirilo e Methodius na extremidade oposta. Na fachada observem-se as três portas com o bonito trabalho em pedra talhada e se for possível entrar, não perca a oportunidade, porque o seu interior é surpreendentemente belo. Esta igreja foi construída em estilo neo-Românico em meados do século XIX. Encontrará aqui o horário das missas mas se tiver sorte encontrará a igreja aberta fora destas horas.

O Túnel de Zizkov

Regressemos à Křižíkova onde voltaremos à direita logo a seguir à estação de metro de Křižíkova. O que vos quero mostrar aqui é a boca do túnel pedestre de Zizkov, de que falei num outro artigo a ele dedicado. Trata-se de uma obra que foi desejada durante décadas pelos habitantes desta região de Praga, antes obrigados a um longo desvio para vencer uma distância mínima ou, em alternativa, a subir a íngreme colina para depois a descer do outro lado.  As obras iniciaram-se em 1949 e em 1953 o túnel foi finalmente inaugurado.

Pub U Zábranských

De volta à Křižíkova. Vamos andar mais um pouco e reparar num pub que existe no lado oposto da rua, o U Zábranských. Aqui foi fundado, imagine-se o Partido Comunista da Checoslováquia, em 1924. Surpreendente? Prepare-se para mais: nos anos 90 era ponto de encontro dos skin heads de extrema-direita, imagine-se, num bairro dominado pela etnia cigana!

Praça Lyckovo Namesti

Andando mais para a frente chegamos à praça Lyckovo Namesti, onde se encontra o que em tempos foi a mais bela escola primária do Império Austro-Húngaro. Atente só naquela bela fachada, na decoração das alas laterais…. aliás, toda a praça era um ícone da chama La Belle Epoque.

Invalidovna

Estamos quase a chegar ao fim do passeio, que terminará com a observação de Invalidovna, um edíficio clássico de que falei também noutro artigo. Em suma, trata-se de um projecto da primeira metade do século XVIII inspirado no Les Invalides de Paris. Um centro social dedicado aos estropiados das guerras do Império, que hoje se encontra basicamente abandonado, apesar de muito se debater o seu destino.

Karlinsky Narodni Dum

Mesmo ali junto vamos terminar com a Karlinsky narodni dum, a Casa Nacional de Karlin, um edíficio projectado em 1903 quando Karlin se tornou formalmente parte da cidade de Praga e construído em 1910 segundo um plano do arquitecto Josef Sakar. Este tipo de casas era comum nessa época, um tempo em que o nacionalismo despontava. A casa cumpriu a sua missão de agregação social até quase ao início da Segunda Guerra Mundial. Foi comprada por uma rádio checa, mas com a chegada dos alemães o estúdio foi utilizado para uma estação de rádio de propaganda germânica, a Radio Melnik. Hoje em dia mantém-se como estúdio, com a Radio Regina e a Radio Region ali sediadas.

O Final do Passeio

E pronto. Acabado este passeio por Karlin podemos regressar usando o metro, com a estação de Invalidovna a cerca de 200 metros à frente, caminhando pelo passeio da ampla avenida que ali encontramos. Uma última dica: observe o bonito vitral na estação, sobre as escadas rolantes que descem para as plataformas.

O Mapa