“O silêncio rodeia o visitante, apenas entrecortado pelo canto da passarada que por ali anda, e pelo restolhar inesperado provocado por um esquilo que se esgueira.”
Em Praga existem cerca de trinta cemitérios. Todos eles são interessantes, mas o mais majestoso é o de Olsany. Foi fundado em 1680, para acolher as vítimas da praga, que deviam ser enterradas com celeridade. No espaço de algumas semanas, mais de trinta mil corpos foram aqui enterrados, fora do espaço da cidade, que por essa altura se quedava num perímetro reduzido. Em 1787, o imperador José II proibiu o enterro dos corpos no interior da cidade, e o cemitério de Olsany começou a assumir o papel de cemitério central, recebendo mesmo trasladações .
É um espaço imenso, onde mais de um milhão de pessoas encontraram a sua derradeira morada. Com facilidade o visitante se perde no emaranhado de caminhos, repletos de fabulosas campas, de histórias para contar. Os eixos principais assemelham-se a autênticas avenidas, com mais de um quilómetro de comprimento. O cemitério encontra-se dividido em dez partes, numeradas de acordo com a sua antiguidade. Na realidade, o primeiro sector já não existe, e o seu passado é apenas recordado pela capela de São Rochus.
Mesmo assim, algumas áreas do cemitério são autênticos museus, com campas centenárias. As mais antigas têm as suas inscrições ainda em alemão, remontando aos tempos em que os austríacos dominavam ainda as terras checas.
Por todo o espaço se respira um ambiente de extrema tranquilidade. A cada passo existe um novo detalhe para ser observado. A variedade dos conceitos aplicados às campas é de uma riqueza que não para de deslumbrar por instante. O silêncio rodeia o visitante, apenas entrecortado pelo canto da passarada que por ali anda, e pelo restolhar inesperado provocado por um esquilo que se esgueira. Estes atrevidos roedores estão tão habituados à presença humana que se levar uns pedacinhos de noz ou outros frutos secos, virão recolhê-los à sua mão.
Apesar das figuras mais ilustres da história checa se encontrarem sepultadas no cemitério de Vysehrad, existem mesmo assim campas de destaque em Olsany. Por exemplo, a de Jan Palach, o jovem que se imolou pelo fogo em protesto pela intervenção soviética de 1968, e cujo corpo for retirado do cemitério em 1973, para impedir a criação de um culto indesejado pelas autoridades. Apenas em 1990 os seus restos mortais foram devolvidos à paz merecida, que envolve todo o espaço de Olsany.
Do outro lado da barricada, por assim dizer, está aqui sepultado Klement Gotwald, um dos mais importantes lideres comunistas do século XX. Franz Kafka encontra-se também sepultado por aqui, numa secção independente, no chamado cemitério judeu (não confundir com o espaço turístico com o mesmo nome, explorado até ao extremo, localizado na zona central da cidade).
A altura mais adequada para visitar os cemitérios de Praga será o Outono, quando as enormes árvores que cobrem estes espaços se despem da sua folhagem, tudo cobrindo com o tapete dourado, característico desta época do ano. Poucos locais mais mágicos existirão em Praga do que o cemitério de Olsany num dia solarengo de Outubro, quando os raios do astro-rei criam as mais incríveis sombras e intensificam os maravilhosos tons das folhas caídas.
Uma ou outra pessoa poderá ser encontrada pelos caminhos de Olsany, mas a tranquilidade que ali se respira não admite a existência de muitos humanos nas imediações. Recordo-me que este foi o último local que visitei, aquando da minha primeira viagem a Praga, na véspera da partida. E esse momento perdurará na memória. Depois disso regressei várias vezes. Ou para mostrar a magia do espaço a amigos, ou simplesmente para usufruir da paz e do silêncio que aqui se podem viver, apesar de (ou talvez devido a…) os mortos nos rodearem.
Os amantes da fotografia encontrarão aqui terreno fértil para a sua arte. Em qualquer altura do ano, com o cenário característico de cada Estação, o cemitério de Olsany oferece infinitos motivos pictóricos. É um mundo por descobrir, mais um cantinho encantado desta cidade única.
Como Ir: Para chegar ao cemitério de Olsany deverá apanhar o metro, linha verde, e sair na estação de Zelivského. Ali, virado para os cemitérios, que identificará de imediato, deverá tomar uma opção: o cemitério judeu estará à sua direita, o outro, principal, à sua esquerda. Uma dica: as campas mais antigas, encontram-se no canto oposto do cemitério de Olsany. Deverá percorrê-lo na diagonal, e sair pelo vértice mais distante, encontrando-se então mais próximo do metro de Flora.