Uma vez, um amigo que visitou Praga, e depois Cracóvia, disse-me que tinha detestado a República Checa. E porquê? A resposta veio célere: “- Porque os Checos são antipáticos demais!”. Noutra ocasião, li alguém escrever nuns fóruns de discussão que “os checos tem a habilidade social de uma marmota”. E ri-me. Pois é, da fama os Checos não se livram tão cedo. Um pouco por todo o lado a impressão que as pessoas me transmitem deste povo não se afasta muito disto. Mas serão os Checos – e perdoem-me desde já a generalização necessária – mesmo antipáticos? Estritamente falando, sim. Mas há que esclarecer umas coisitas, começando por uma questão retórica: o que é a antipatia? Será falar conosco sem um sorriso na face, praguejar livremente mesmo que o alvo da diatribe seja o cliente que afinal de contas é o ganha-pão do inflamado Checo? Será a expressão sisuda, a negação em comunicar noutra língua que não o Checo?

Vamos aceitar que sim, que tudo isto é ser antipático. Ao que se segue a próxima questão retórica: e o que é a honestidade? Será olhar para alguém com um enorme sorriso de orelha a orelha, quando se está a ter um dia para esquecer e só apetece estrafogar o interlocutor? Será espalhar palavras amigáveis quando se é pago mal e porcamente para se fazer o que se está a fazer?

Acho que por esta altura o leitor já apanhou a ideia: creio que os Checos, são, isso sim, honestos. Se estão insatisfeitos, não o escondem. E se não se gosta da verdade, azar de lhes cruza o caminho. Pois que lhes chamem antipáticos. Por mim, que o sejam, que gosto de gente sincera, que revela as suas verdadeiras emoções sem vernizes sociais e salamaqueques cínicos. Aprecio esta atitude de quem tem coragem para assumir exprimir o que lhe vai na alma. Gosto do jeito hostil com que os habitantes de Praga tratam os estrangeiros, que muito justamente consideram serem já demais na sua cidade. O povo aqui está saturado. Fartinho de Russos que se passeiam pelas ruas com o ar imperialista de quem vive num passado que já foi; dos Ocidentais com os seus toques de arrogância, como que a dizer que vierem visitar os parentes pobres de Leste. Mais para a província, a música é outra. Porque os Checos são hospitaleiros, entusiasmam-se com visitantes vindos de paragens para eles exóticas. Gostam de tentar comunicar, de partilhar. O que é de todo admirável num povo que ao longo de toda a sua História tem sido tão maltratado, entalado entre potências com manias expansionistas. Desde sempre, tudo o que chegou às terras da Chéchia vindo de fora trouxe exploração, humilhação, dominação. Austriacos, Alemães, Russos.

Pois portanto, um povo que passa por tudo isso e mantém uma personalidade própria, pode tratar-me mal sempre que quiser. Pode ser antipático e mal-educado. Um sorriso será coisa agradável, é certo. Mas as gentes não se alimentam deles, e, acimda de tudo, prezo infinitamente mais umas sinceras trombas, do que uma máscara modelo 23 de simpatia artificial.

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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