Na margem ocidental do Vltava, uns três quilómetros distante do centro da cidade, ergue-se uma barreira rochosa de algumas dezenas de metros de altura, aliás, devidamente secundada por uma formação idêntica no banco oposto. Para lá chegar, é tomar caminhos por portas travessas, estradas e trilhos esses que felizmente já conheço de outras andanças. Hoje o dia está ideal para estas coisas. O céu azul impera, e a temperatura, a princípio agreste, torna-se ideal quando o corpo se põe em movimento.

O último truque antes de iniciar a ascensão final, vereda inclinada, monte acima, é a transposição de uma linha de comboio que já viu dias melhores. Ali ao lado, o apeadeiro decadente inspira algumas fotografias, que hoje ficaram adiadas, câmara em casa. As vistas lá de cima impressionam sempre, mesmo quando uma pessoa já se habituou ao que a espera no topo. É aquele ruido surdo que sobe da grande cidade e chega como um rumor aos altos. Em baixo vê-se o lobrigar de carros, atravessando o rio em diversas pontes, circulando pelas vias rápidas. No horizonte, alguns dos edíficios mais avantajados de Praga podem ser identificados, silhuetas erectas, orgulhosas, penetrando os céus. E Podoli, esse singelo bairro, tão-mal amado, de que tanto gosto, mesmo ali aos pés, encimado pela patriótica Vysehrad.

Noutros tempos erguia-se ali um castelo, do qual nada resta. A percepção do que foi e já não é, ganhamo-la pela observação dos paineis informativos que por ali mostram uma planta levantada pelos estudiosos. E de facto faz sentido. Depois de o sabermos quase que o vemos, o velho castro, sobranceiro ao rio, imperioso.

Mas o usufruto de tal momento de tranquilidade não se poderia estender por toda a tarde. Havia algum caminho a trilhar, no sentido oposto ao rio. Primeiro, atravessando um bizarro campo agrícola, enorme, vasto, amplo, que ali permanece, acarinhado pelo agricultor que o explora, no seio da cidade, de braço dado com uma ruralidade que existe em Praga como em nenhuma outra capital europeia. Depois de atravessar um bem mantido parque, devidamente artilhado com paineís informativos, caminhos bem mantidos e bancos de jardim, foi chegar à zona dos grandes penhascos. Toda a área é cortada por discretos trilhos, que conduzem, por vezes mato adentro, de ponto em ponto, numa rede sem fim. Subi a um par deles, de acesso dificil, gozando de uma sensação de exclusividade, lá em cima, observando as imediações do alto de penedos que não conhecem visitantes todos os dias.

Mais à frente, numa destas ascensões, descubro uma lagoa de águas verdes, escondida, secreta, entre estas formações rochosas. Junto à margem um grupo de pessoas descansa depois de uma braçadas nesta piscina natural quase privada. Está quase na hora de tomar o caminho de regresso. O sol vai caindo, e há trabalho que me espera em casa. No regresso cruzo velhas aldeias que são hoje parte de Praga. Uma realidade desfazada, forçada pela administração. São locais que parecem pertencer a um país profundo, com a configuração tradicional da aldeia de campo, edíficios pobres e por vezes muito degradados e uma praça central onde a comunidade se vai reunindo assim que a invernia recua.

A fome aperta e depois de encontrar um amigo que me devolve uma lente fotográfica que lhe foi emprestada, vou a uma pizza num dos meus ícones gastronómicos em Praga: a Kmotra, pizzaria descoberta no plano teórico mesmo antes de assentar os pés pela primeira vez na cidade, descoberta aquando da primeira vinda, e visitada com frequência. Delicio-me com aquela pizza mascarpone, vendida por rídiculos 6 Eur, enorme, coberta a preceito com todos os ingredientes que lhe trazem a fama. E de volta a casa, depois de uma tarde passada em excelência.

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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