Os dias de Outono em Praga são tudo menos de Outono. Não há memória entre os meus contactos locais de um Outubro assim. Vejam só que até tem nevado! Em Outubro! Coisa que não costuma suceder antes dos últmos dias de Novembro! E vai dai, nada de passeayas urbanas de fim de tarde, nada de explorações no meio rural checo. Com o tempo assim, é ficar em casa, bem abrigado. É que se juntou o frio à chuva… mas pior que isso, o vento veio ajudar à festa. É que se as baixas temperaturas, mesmo a rondar os zero graus, não amedrontam ninguém por aqui (até porque zero graus em Praga se sentem como 8 graus em Portugal), já a chuva molha mesmo… e irrita, chateia. Quando a tudo isto se junta vento, aquele acelerador térmico infernal, então está o caldo entornado: o frio torna-se glaciar, e a chuva espalha-se pelo ar, passa a haver água em todo o lado.
Mas mesmo com este cenário, tive que sair por um bocado. Acho que ninguém consegue ficar em casa um dia inteiro sem começar a sentir-se atrofiado, e não serei excepção. Já estava em Praga há uma semana e ainda nem tinha visto o rio, visitado a minha antiga zona, a mais bonita da cidade (Ok, vá lá, uma das mais bonitas…). E então enchi-me de coragem e fui para a rua. Aquilo que via pela janela atingiu-me em cheio na cara. Não estava preparado. Era pior do que calculava. Mas lá fui… e dei por mim a atravessar a ponte Karlovo. O cenário ali era… grotesco – daí o nome desta entrada no blog.
Mas vocês conseguem imaginar, conceptualizar, visualizar… uma ponte mais antiga que os antigos, um monumento histórico, património da humanidade, a sofrer obras de manutenção estruturais, com andaimes e o diabo a quatro… e como se não bastasse, com a intempérie implacável a cobri-la num turbilhão de vento e chuva… e por cima de tudo isto… uma multidão a perder de vista de turistas. Em grupo e a título individual, numa massa compacta, caminhando com faces baixas, olhos postos no chão. E estava eu nisto, a reflectir sobre o patético da situação, quando passa por mim um extenso grupo de russos. E a guia do rebanho levava ao pescoço um par de colunas de som, que debitavam em altos decibeis o que ela ia tentando dizer por um microfome pendurado perto da boca. Os seus cordeiros, claro, nem fingiam prestar atenção. Porque russos são gente muito habituada ao mau tempo, mas também ao aquecimento central, e quando levam com este frio, este temporal, como pessoas que são, estão pouco preocupadas com explicações de cicerone.
Russos deixados para trás, passam os japoneses. Não sei se melhor se pior: um em cada quatro ou cinco leva a cara coberta por uma máscara tipo de cirurgião. Deve ser a gripe A que lhes mete medo. Esta gente de palmo e meia acha-se capaz de desafiar o Criador com uma máscara de cirurgião, e por ali anda, de certa forma indiferente ao temporal… mas muito preocupados com a gripe A, que na República Checa não fez ainda uma vítima que seja.
Depois disto ainda fui aonde me prestava dirigir quando comecei a atravessar a ponte: à livraria que vende livros em inglês. Mas não encontrei nada que me cativasse, e voltei para casa tão depressa como pude. Desta vez a salvo do grotesco, por outros caminhos.