Depois de séculos sob domínio estrangeiro, os checos alcançaram a almejada independência após o término da I Guerra Mundial, em 1918. Foi sol de pouca dura. Formalmente independentes, perderam a sua soberania para a Alemanha em 1938, na sequência do ultrajante Pacto de Munique. Nesse mesmo ano o exército alemão entrou na Checoslováquia, que num novo modelo federativo se viu convertida num “Protectorado” germânico. O primeiro Reichprotektor da Boémia e Morávia foi Von Neurath, um diplomata de carreira de comportamento impecável, que procurou o equilíbrio possível, defendendo a autonomia checoslovaca e travando os métodos brutais das SS e da Gestapo.
Contudo, um dos homens fortes das SS, protegido de Hitler e apontado por muitos como o sucessor natural do “fuhrer”, conspirou incessantemente contra Von Neurath, e acabou por tomar a sua posição, depois de muitas manobras de bastidores. O seu nome era Reinhard Heydrich e estava-se em Setembro de 1941.
A conduta alemão nos territórios da Boémia e Morávia alterou-se de imediato. Foi lançada uma campanha contra os movimentos de resistência. O relacionamento entre o Governo formal do Protectorado e as autoridades alemãs agravou-se e o Primeiro-Ministro Elias acabou mesmo por ser detido e condenado à morte. Entretanto, em Londres, o antigo presidente Beneš travava uma complexa luta política, pelo futuro da nação Checoslovaca e pelos seus próprios interesses pessoais. Depois de resistir durante um par de anos às pressões das potências aliadas para instruir o seu exército clandestino em terras checas para sabotar instalações vitais para o esforço de guerra alemão, Beneš começa a compreender que algo terá que ser feito. As dúvidas iniciais, que se prendiam com a violência das represálias alemãs sobre a máquina clandestina e sobre a população inocente, dão lugar à necessidade de uma ação espetacular, que traga credibilidade aos checos e ao governo no exílio que Beneš lidera. Ciente de que a acção que se prepara será polémica, Beneš elimina cuidadosamente todas as provas do seu envolvimento. Formalmente será o seu chefe dos Serviços de Informação, coronel František Moravec o responsável pela operação.
De qualquer forma, já desde há algum tempo que são largados de pára-quedas na Boémia e na Checoslováquia, com muita dificuldade, algumas equipas de militares checoslovacos, com missões distintas: em alguns casos, estabelecer e fortalecer o contacto, via rádio, entre a resistência no terreno e o Governo no exílio; noutros, com objectivos de sabotagem bem delineados. E é neste contexto que serão largados os homens que formam a equipa da Operação Antropóide – o assassinato do Reichprotektor Reinhard Heydrich. Existem hoje enormes questões em aberto, amplamente debatidas, sobre esta operação: porque é que os Serviços Secretos ingleses não se opuseram à única missão de assassinato de um alto responsável alemão no decorrer de toda a Guerra? Porquê que Beneš condenou indiretamente à morte largas milhares de checos, executados como represália e vítimas das investigações que se seguiram à morte de Heydrich? Se a primeira questão é mais misteriosa, a segunda pode responder-se com alguma segurança: Beneš terá “vendido a sua alma ao demónio”, sacrificando os seus compatriotas a troco de notoriedade política, a nível pessoal e nacional. Provavelmente sentia que se havia esperança para a reconstrução da nação checoslovaca após o final da guerra, havia que marcar presença com todos os meios possíveis nesta fase de indefinição.
Entretanto a operação Antropóide seguia o seu curso de forma atribulada. O plano previa a execução da missão num par de meses, mas acabou por decorrer mais de um ano entre a largada dos para-quedistas e a conclusão da operação. No terreno grassa a discórdia. Os homens previamente colocados e os mais proeminentes membros da resistência discordam do assassínio. Sabem que abaterá um temporal de proporções incalculáveis sobre a sua organização e sobre a população. Mas os dois militares enviados para matar Heydrich são irredutiveis: receberam a ordem diretamente do presidente Beneš, e como soldados que são levarão até às últimas consequências as instruções que lhes foram atribuídas. Até ao último momento o pessoal no terreno vai tentar obter a anulação das ordens, que nunca chega. Entretanto, Gabčik e Kubiš seguem as rotinas do Reichprotektor. Uma série de ideias avulsas tem que ser colocadas de lado. Fica fora de questão lançar um golpe de mão contra a mansão onde Heydrich vive, nos arredores de Praga. Qualquer ataque na zona urbana mais próxima do centro é igualmente descartada. Num e noutro local a vigilância é demasiado forte e ao mínimo deslize os reforços alemães chegariam com demasiada rapidez, sendo de qualquer forma a fuga tornada praticamente impossível.
Assim a atenção centra-se no percurso diário de Heydrich. O oficial alemão revela-se negligente com a sua própria segurança. Conforme repete por diversas vezes, um cuidado nesse aspecto seria interpretado como sinal de fraqueza. Recusa fazer-se acompanhar por guardas. Viaja sozinho, apenas na companhia do seu motorista. Despreza sistematicamente recomendações superiores no sentido de incrementar a sua segurança, e nem aceita a adoção de blindagem adequada no seu carro.
Após semanas a fio estudando os percursos de Heydrich, Gabčik e Kubiš selecionaram um ponto da estrada com as condições ideais para o ataque: tratava-se de uma curva apertada, no bairro de Kobylisy, onde o carro teria que abrandar, permitindo a intervenção dos dois comandos. Por outro lado, o local permitiria a fuga dos atacantes, que conseguiriam chegar ao centro de Praga com facilidade, misturando-se ai com a multidão. Um deles atacaria Heydrich com uma arma automática Sten modificada, enquanto o outro, munido de granadas especialmente desenhadas para o efeito, seria o homem de reserva.
Na manhã de 27 de Maio de 1942 o ataque foi levado a cabo, mas o plano complicou-se: a Sten encravou, deixando Gabčik à mercê de Heydrich. Neste momento o alemão cometeu um erro fatal. Em vez de prosseguir a viagem em segurança, ordenou ao motorista que detivesse o carro de forma a responder ao ataque. Imediatamente Kubiš arremessou uma granada que explodiu junto ao carro. Heydrich, aparentemente em boa condição, disparou a sua arma sobre os assaltantes em fuga e mandou o condutor prosseguir no encalço dos fugitivos.
Assim, enquanto corriam pelas suas vidas, os dois militares checoslovacos estavam plenamente convencidos que tinham falhado. Não podiam imaginar que Heydrich iria falecer num hospital dentro de dias, o seu corpo envenenado mortalmente por fragmentos do carro que entraram em contacto com o seu sangue.
Os dias que se seguiram foram de puro terror para a população. Os alemães atacaram em força, levando a cabo terríveis represálias. A face mais conhecida da vingança alemã foi a destruição da aldeia de Lidice (ver artigo aqui) e o extermínio dos seus habitantes. Os movimentos de resistência foram praticamente desmantelados pela pressão que se seguiu ao atentado.
Quanto aos para-quedistas, reuniram-se com camaradas de outras operações anteriormente desencadeadas na Boémia e Morávia, e esconderam-se na igreja de São Círilo e Methodius (perto da actual Karlovo Namesti). Entretanto, um dos para-quedistas, isolado dos companheiros pelas circunstâncias, rendeu-se voluntariamente aos alemães, a troco de uma generosa recompensa em dinheiro. Apesar de desconhecer o paradeiro dos fugitivos, algumas das pessoas que denunciou estavam ao corrente do atual esconderijo, e foi assim que nos primeiros dias de Junho uma força de intervenção entrou na igreja, iniciando-se um feroz combate que terminou com o suicídio coletivo dos comandos checoslovacos, que usaram a última bala para acabar com as suas vidas.
Os Assassinos de Reinhard Heydrich
Josef Gabčik, nasceu em Žilina, na Eslováquia. Aprendeu o ofício de ferreiro antes de ingressar no exército, onde permaneceu até à dissolução das forças armadas checoslovacas. Antes de fugir para França para se juntar Legião Estrangeira, trabalhou numa fábrica de armas químicas, que sabotou diligentemente. Quando a II Guerra Mundial estalou, deixou a Argélia para ingressar no Exército Checoslovaco constituido em “terras livres”. Depois da derrota na campanha de França, conseguiu chegar à Grã-Bretanha, onde foi integrado na 1ª Brigada Mista Checoslovaca. Foi dos primeiros a se voluntariar para missões na Pátria ocupada pelos alemães. |
Jan Kubiš, natural da região de Třebič, na actual Rep. Checa. Serviu no exército checoslovaco, no 31º Regimento de Infantaria, optando por se manter nas forças armadas depois do período obrigatório. Também ele acabou por se refugiar em França em 1939, onde foi forçado a alistar-se na Legião Estrangeira. Tendo combatido com distinção na campanha de França em 1940, recebeu a medalha da Cruz de Ferro francesa. Após a derrota, também ele logrou juntar-se à 1ª Brigada Mista Checoslovaca, formada em Inglaterra. Tendo-se constituido voluntário para as arriscadas operações encobertas na Boémia, substituiu o sargento Karel Svoboda, que entretanto sofrera um acidente, na Operação Antropóide. |
Adorei.. Muito esclarecedor.. Vi o filme operação Antropóide..e procurei mais informações sobre o assunto.. Parabéns.
Obrigado Giovana pelo agradável comentário. São estes comentários que dão forças para continuar a trabalhar, é gratificante ser útil. Também vi o filme, claro, muito interessante. Há um excelente livro sobre o assunto que tem tanta informação que me fez pensar em criar um roteiro Segunda Guerra Mundial em Praga, mas até agora é apenas um projecto.
Muito bom o filme, procurei mais sobre os envolvidos. Triste a história dessa geração que acabaram nas mãos desses ditadores nazistas
E também o papel de herói nacional que o General Benes tem no país, quando é bem possível que tenha provocado tudo isto, para além da sua pobre actuação por duas vezes enquanto líder da nação.
De fato, Ricardo, excelente matéria. Interessei-me por este assunto desde quando soube que havia uma cidade brasileira cujo nome homenageia a cidade original, arrasada por Hitler em represália ao assassinato da Besta loira. Dai passei a pesquisar tudo sobre o príncipe encantado de Lina Heydrich . Tenho o romance escrito por Laurent Binet, que achei muito proveitoso. A segunda guerra me deixa perplexo, sobretudo por mostrar o que pode produzir a natureza maligna do homem. Imagino que rumo teria tomado a eugenia nazista se o maldito Heinhard não tivesse morrido. Muito obrigado.