Rua Bartolomějská

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“O terror de ser chamado à Bartolomějská atormentava milhões de checoslovacos. As pessoas sabiam que podiam entrar no edifício da StB completamente inocentes, e sair com a vida acabada, com uma confissão arrancada através de coação física ou psicológica.”

Quando cheguei a Praga pela primeira vez, em 2005, tinham decorrido 16 anos desde a queda do regime comunista totalitário de Gustáv Husák. Apesar do tempo passado, não foi difícil sentir alguns vestígios da máquina repressiva do Estado de outrora. Notei um sobre dimensionamento do sistema policial, visível pelo um número impressionante de carros de polícia que circulavam pelas ruas, não em patrulha operacional, mas com aparência errante, como que em diligências sem fim, transmitindo de qualquer forma uma sensação de ócio. Mas foi quando por acaso passei pela rua Bartolomejská (a que os checos chamam carinhosamente de Bartak) que fiquei mais impressionado.

Para o turista comum não existem grandes pontos de interesse nesta discreta artéria da cidade. A rua é antiga, existindo sólidas referências históricas que remontam a meados do século XIV, e que incluem menção à existência do mais afamado bordel da cidade, destruído em 1372.

Apesar de se localizar numa das zonas mais centrais da cidade, os edifícios que ali se encontram não oferecem a beleza quase omnipresente nesta área de Praga. A presença da igreja Svatého Bartoloměje, de estilo plenamente barroco, construida pela Ordem dos Jesuítas entre 1726 e 1731 não chega para suplantar este sentir desagradável que pode assolar o visitante que cruza aquela rua: é que a determinado momento, e talvez ao longo de duas centenas de metros, o local torna-se num espelho do totalitarismo que foi, e que já não é. De ambos os lados da rua erguem-se os cinzentos edifícios tão característicos desses tempos tristes, e todos eles são ocupados por departamentos sem fim das forças policiais.

Contudo, se a memória colectiva dos habitantes de mais velhos de Praga associa estas instalações com o regime de terror comunista, a presença policial na Bartolomějská é bem mais antiga, iniciando-se em 1900, quando ali se construiu o edifício que albergaria o quartel-general da polícia de Praga, com capacidade para albergar cerca de mil agentes e uma centena de funcionários de apoio.

Se actualmente a concentração do aparato policial na Bartolomějská, parecerá apenas bizarra, a verdade é que o local constituiu um símbolo do sentimento de terror que pesou sobre a cabeça dos checos entre 1948 e 1989. Ali, encontrava-se baseada a polícia política StB (Státní bezpečnost, Segurança do Estado).

A StB foi criado em 1945, e apesar dos comunistas só terem tomado o poder em 1948, encontrou-se desde a sua nascença controlada por agentes daquela facção política. Nesses três anos que mediaram a libertação do jugo nazi e o início da repressão comunista, a StB movimentou-se activamente para minar o débil sistema democrático, espiando elementos políticos não comunistas e forjando falsas provas de actividades criminais contra eles.

Nos 41 anos que se seguiram a StB cumpriu a sua funesta missão com mão de ferro, controlando a população com um número relativamente pequeno de agentes mas com uma rede considerável de informadores. Os primeiros chegaram a ser 17.000, mas entre 1953 e 1968 cerca de 200.000 checoslovacos colaboraram com a StB.

O terror de ser chamado à Bartolomějská atormentava milhões de checoslovacos. As pessoas sabiam que podiam entrar no edifício da StB completamente inocentes, e sair com a vida acabada, com uma confissão arrancada através de coação física ou psicológica. Se o leitor viu o filme A Insustentável Leveza do Ser, inspirado no livro do escritor checo Milan Kundera, poderá lembrar-se da visita de Tomás à polícia… cena filmada no local real, na rua Bartolomějská.

Um dos edifícios com passado mais sinistro encontra-se no número 9. O Centro de Detenção de StB. Foi ali instalado em 1950, inicialmente com capacidade para 120 pessoas, mas habitualmente ocupada por mais de 300 detidos. Por ali passaram literalmente centenas de milhares de checoslovacos. O complexo foi montado num antigo convento, e depois da queda do regime, aproveitado como hostel comercial, que ainda hoje existe com o nome de Hostel Unitas Art Prison.

Como Ir: encontre o Teatro Nacional (Narodni Divadlo). Suba a avenida Narodni, perpendicular ao rio. Vire na primeira à esquerda e logo à frente quando encontrar a próxima rua, vire à direita e está lá.

 

 

 

Ricardo Ribeiro viveu durante três anos em Praga, apenas pelo amor à cidade e um dia decidiu criar um website dedicado à sua paixão. Actualmente mantém os fortes laços emocionais e sociais com Praga e passa alguns meses por ano por lá.

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